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terça-feira, 21 de junho de 2011

Memórias de um operário III

Por: Alexandre Mendes

 

Houve um tempo em minha vida que sobreviver, dia após dia, era um desafio. Tentei montar mil negócios clandestinos! Não visava comprar carro, nem almoçar em restaurante. O meu objetivo era simples: chegar em casa com pelo menos duas sacolas de compras. Éramos quatro, nessa época. Minha esposa não podia trabalhar fora, pois não tinhamos com quem deixar as crianças. Então, eu me armava e me dirigia até as trincheiras da cidade.
 Passei a procurar um sinal (semáforo, para alguns) onde pudesse vender alguma mercadoria. Após passar um dia inteiro perambulando, achei o lugar perfeito: a subida da ponte Rio-Niterói, entre o 12º Batalhão da PM (Niterói) e a Favela do Sabão. Que adrenalina, trabalhar no meio daquele cotidiano fogo cruzado!
Observei o número de ambulantes e suas mercadorias. Havia, aproximadamente, umas nove pessoas ganhando a vida naquela travessia. Vendiam refrigerante, frutas que traziam do Ceasa, brinquedos de criança e utensílios para automóveis.
Decidi, então, vender mariola. No entanto, conseguir um sinal para trabalhar não é tão simples assim. O ambulante tem que ser aceito pelos vendedores mais antigos do local. Se não forem com a sua cara, você corre o risco de tomar uma coça e ser expulso dalí.
Meu primeiro dia não foi fácil. Cheguei bem cedo, antes que todos chegassem. O velhinho que vendia "Suflair' me aceitou numa boa. Sidnei, o cara que vendia capas para volante, me riscou de cima a baixo. Quando os meninos que vendiam frutas chegaram no ponto, Sidnei começou a cochichar sobre a minha presença no local.
Já devia ser meio dia e o sol começou a incomodar. Mariolas não fazem tanto sucesso no sol quente e foi se tornando cada vez mais difícil de vendê-las. Isso, sem contar com o fato de algumas pessoas que fecham o vidro na sua cara, de maneira arrogante ou, simplesmente, por terem medo de você.
Sidnei chegou perto e disse: - Mermão, esse sinal já está cheio de gente. Não vai dar pra você trabalhar aqui.
Argumentei, então, com toda a astúcia que a rua havia me ensinado: - Pô, cara. Minha mulher e filhos estão esperando que eu traga algo, que não seja mariola, pra gente jantar. Quebra essa, irmão! Não vou te atrapalhar! Come uma mariola! - E desfalquei o lote do produto, na intenção de ganhar a confiança dele. Sidnei comeu uma, duas, três mariolas! Os outros também pediram e eu acabei perdendo um pacote inteiro de mariola para aqueles esfomeados.
Apesar de tomar um prejuízo inicial, o ato me beneficiou. Era como se fosse uma iniciação: agora, eu fazia parte do quadro diário de ambulantes daquele sinal. Trabalhei um ano e pouco com aqueles caras. Fiz a minha clientela. Em dias quentes, vendia refrigerante e cerveja.
Certo dia, um homem tentou vender mariola no meu ponto, mas ficou estreito para ele. Eu já era o vendedor de mariolas oficial do local. Tentou botar bronca e foi uma péssima idéia: atiramos o pacote de mariola dele no meio da rua. Puxa, como ele teve que correr!

4 comentários:

  1. Fiz uma breve viagem no seu conto! Fantástico! Deu até vontade de comer uma mariola....rs

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  2. Pimenta no cu dos outros é refresco!
    O cara disse que morava no Sabão e expulsava a gente dalí, facilmente. Só que porra, a maioria da galera morava no Sabão ou era do Complexo do Alemão...daí, ele se fudeu!
    Nessas horas é necessário jogo de cintura...

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  3. É a selva criada pela civilização.
    Muito mais bruta que a original.
    É presa comendo presa.

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