Por: Alexandre Mendes
Duro mesmo, foi a época em que eu trabalhava em dois empregos ao mesmo tempo.
Trabalhava em uma obra de dia e num trailer a noite toda. Entrava na obra, virava a noite no trailer e entrava na obra de novo, isto é, dois dias e uma noite trabalhava direto e uma noite sim, outra não, eu dormia na minha casa no Capote.
Tinha comprado um revólver Rossi, calibre 32, para minha esposa. Ficava preocupado com ela e com as crianças. O lugar era meio sinistro e só tinha duas entradas. O ônibus passava lá dentro de uma em uma hora. Dar de cara com defuntos no meio do caminho era comum.
Trabalhava no trailer de sete da noite as sete da manhã. O trailer ficava próximo ao Hospital Antônio Pedro e o movimento de pessoas no local era intenso, até umas três horas da manhã.
De vez em quando, eu pegava no sono.
Certa vez, houve uma fuga de menores infratores do Instituto Padre Severino. Encontraram abrigo sob um toldo de loja fechada, em frente ao trailer. Um rapaz maior comandava a molecada.
Uma noite, eu peguei no sono por volta das quatro da manhã. Tinha esquecido de abaixar uma das janelas do trailer, como fazia de costume. Pressenti algo entrando pela janela, enquanto estava de olhos fechados. Foi, então, que eu os abri. Um garoto de seus doze anos invadia o trailer, quando percebeu o meu despertar e disfarçou, sentando no apoio de ferro do balcão.
- Fala o que você quer. – Perguntei truculentamente para o moleque.
- Um guardanapo. – respondeu ele, retornando para fora do trailer, lentamente.
Ocorriam sempre situações desse tipo. Muitos viciados traziam apetrechos domésticos de suas casas para vender por lá. Secadores de cabelo, calças e relógios.
Depois, me dirigia para o outro emprego, na reconstrução de uma casa em Vista Alegre.
Muitas sapatas para cavar e todas bastante profundas. Foi nessa obra que eu aprendi, de fato, todo o processo de uma construção. Foi somente após essa etapa de aprendizado que eu comecei a construir a minha casa, no Rio do Ouro.
Mas trabalhava sempre cansado. Uma vez, almocei a minha marmita e fui tirar um ronco. Acordei no fim da hora do almoço. Peguei a vassoura e fui dar uma varrida nas beiradas das sapatas. Elas já estavam com os radiers concretados e, para minha sorte, nós havíamos amarrado a ferragem das colunas, antes do almoço. Acabei pegando no sono enquanto varria a beirada de uma sapata e cai dentro dela. Minhas costas deslizaram na ferragem e eu fiquei bastante arranhado.
E assim, fiquei nesses dois trampos por um ano inteiro.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEnquanto isso, a galera do colarinho branco toma banho de piscina e viaja de baixo para cima de jatinho. Uma jornada de trabalho muito pequena justifica um salário altíssimo. O bizarro é que ainda exista quem ache normal e diga: "A vida é assim mesmo. O que eu posso fazer?" Chega de acomodação e fantasia. A realidade exige atenção.
ResponderExcluirEssas memórias mostram o tanto de imprevistos que aparecem no caminho, estando nós preparados ou não.
ResponderExcluirMemórias de um operário não, memórias de um brasileiro.... um trabalhador que ergue esse país como muitos outros...
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